segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Leveza

Essa semana assisti a “Persépolis” com o marido, que ele não tinha visto ainda. É uma animação incrivelmente bem produzida que trata uma história triste com toda a leveza possível.

Em algum momento da minha vida fui acusada por uma “ex-amiga” de ser uma pessoa pesada, porque eu tava sempre vendo o lado ruim das coisas, segundo ela. Pô, tomei a pílula vermelha. Sofrimento enorme, esse, viu? Queria, como ela, conseguir fletar com o policial que estava na Sorbonne pra reprimir as manifestações dos estudantes. Mas eu não via o cara gostoso, via a repressão, não rolava mesmo. Não sou uma criatura iluminada, pelo contrário, acho que até sou bem superficial algumas vezes. Mas somo dois mais dois e sou bem crítica, e não tenho culpa disso. Taí o Caio Fernando Abreu, que não me deixa mentir:

"Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo. O que vem depois, não se sabe.”

Por outro lado, como muito custo, aprendi que o mundo não vai ser um lugar melhor se eu for infeliz. Que eu preciso sim refletir sobre as minhas escolhas, mas que não é indigno sentir-se bem num mundo tão miserável, contanto que eu não faça de conta que esssa miséria não tem absolutamente nada a ver comigo. Antes eu achava que pra conseguir isso a gente precisava ser muito cínico. Hoje acho que basta um pouco de pragmatismo.

Mas o título fala de leveza. Tenho curtido muito filmes que tratam de temas sérios de maneira leve, mas não leviana, que a gente encara no sábado com pipoquinha assim, despretensiosamente. E o Persépolis, apesar da intensidade, tem uma narradora que faz a sua autobiografia não se levando tão a sério, o que é sensacional. Na mesma categoria, amei de paixão o “A Culpa é do Fidel”. Não assistiu ainda? Corre na locadora ou no torrent, porque é imperdível. E “O Crocodilo” do Nanni Moretti? Comédia leve, mas que faz uma denúncia pesada sobre a máfia que é o governo Berlusconi.

Gosto de filmes e de refletir sobre a realidade. Se eu puder fazer os dois ao mesmo tempo e ainda me divertir então, programa perfeito. Aceito sugestões.

sábado, 28 de novembro de 2009

O jornalismo do não fato

A história só merece desprezo, mas eu resolvi dar pitaco e tentar contextualizá-la na pauta das reinvindicações feministas. Não vou atrás do link (mas no Azenha tem o texto completo), mas é a papo do fulano que ouviu, 15 anos atrás, que o Lula teria tentado molestar um carinha outros 15 anos antes, quando estava preso.

Olha, a gente reclama muito porque sabe que vítimas de estupro têm sua moral julgada, e por isso evitam denunciar. Sabe o quanto isso é horroroso, triste, o quanto a lógica machista impera e cala as mulheres. Nesse ponto, homens estuprados, ou como quer a lei, vítimas de atentados violentos ao pudor, também sofrem por conta do machismo. Agora... sem vítima não tem crime, né, galera? E a Folha da ditabranda, virando a campeã universal do bola-fora (Veja e boimate são hours concours, gente), publica uma coisa dessas, tão golpe baixo, tão sem pé nem cabeça.

Então, se a vítima aparece, 15 anos, 30 anos depois, é uma coisa. Não tem como comprovar a materialidade dos fatos, algo fundamental num processo justo, mas ainda tem uma palavra ali. Mas, assim, “o menino do MEP”? O Lula não é o Polanski. E com isso não estou colocando a mão no fogo por nosso presidente, pelo qual não nutro nenhuma simpatia pessoal (apesar de apoiar este governo). Se aparecesse agora uma mulher dizendo que foi estuprada pelo Polanski 30 anos atrás, ele não teria sido preso, porque é muito difícil comprovar um estupro tanto tempo depois, ainda mais quando não se trata de um estuprador em série.

Só que é ainda pior. É “tentou molestar”. Materialidade nenhuma mesmo. De novo: se foi verdade, é horrível, claro. Mas, como saber? É uma palavra contra a outra. Aliás, uma contra várias, porque lá no Azenha mesmo e no Nassif já apareceu um monte de gente pra dizer que essa história não tem pé nem cabeça.

Minha opinião, assim, muuuuito pessoal, é que o fato não é verdade, mas o Lula pode ter contado a história. Porque falastrão ele é, né? Inventar uma história sórdida e contar assim, numa boa, num ambiente privado, como se não tivesse consequências, até combina com ele. Mas o babaca repetir 15 anos depois e a Folha publicar é o fim.

Lembrei do caso Luísa. Olha só, o cara publicou aquilo na Trip. Disse que fez, e depois disse que era ficção. Mas ninguém inventou que ele fez: a gente leu um discurso em primeira pessoa banalizando a coisa, e chegou a uma conclusão. De qualquer maneira, a não ser que a Luísa aparecesse pra denunciá-lo, só se pode repudiar o texto do cara, mas não processá-lo por estupro. No caso do Lula, a não ser que o “menino do Mep” apareça e a gente ouça a versão dele dos fatos, a gente só pode concluir que o César Benjamin é um tremendo safado e/ou (porque uma coisa não exclui a outra) que o Lula fez uma piada de mal gosto e o cara resolveu valorizá-la.

Agora, a Folha querer fazer jornalismo com "ouvi falar 15 anos atrás que 15 anos antes..." é de lascar, né?

Update em 28/11: segundo está dito aqui, era como eu imaginava. A história foi contada, mas era brincadeira. De muitíssimo mau-gosto, aliás: assédio sexual não é nem um pouco engraçado. Lógico que motivo nenhum pra se orgulhar disso, shame on you, Lula. Mas ele contou isso em um encontro privado, não publicou na Trip, e atire a primeira merda quem nunca fez uma piada mórbida qualquer. Então, quem é canalha, o cara que contou a piada ou o que quer usar isso politicamente 15 anos depois?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mea culpa, ou sobre a incoerência cotidiana

A coisa mais comum do mundo é encontrar gente se comportando de maneira oposta ao seu discurso. A gente chama isso de incoerência. Quando a gente indetifica, costuma apontar lá o dedão no incoerente. Eu acho que às vezes até é bem válido, quando o incoerente usa o seu discurso para julgar nossas ações, mas se dá ao direito de ter seus próprios critérios. Porque além de incoerente, a pessoa vira uma hipócrita. Mas o ser humano é cheio de incoerências, né?

A família lá da França tinha um discurso politicamente correto e tal, mas não separava o lixo reciclável. E um dia minha “patroa” contou que, numa conversa com os colegas do trabalho, todo mundo deu uma desculpa para não separá-lo, ainda que achasse reciclagem uma idéia fantástica. Uma vez, almoçando com ex-colegas de trabalho, comentou-se o absurdo da quantidade de veículos em São Paulo circulando ocupados por somente uma pessoa. Daí Fulano lembrou que era vizinho do Sicrano, e do Beltrano. E todo mundo se deu conta de que tinha um colega de trabalho morando em seu bairro. Mas apesar disso, concluiram que dar carona não funcionaria porque “tolheria a nossa liberdade de ir e vir nos horários mais convenientes”.

O blog 7 x 7 da Época tem umas coisas muita machistas e retrógradas às vezes, como o post sobre a Dilma, mas a mesma Ruth de Aquino, capaz daquele discurso reaça de carteirinha, fez um post que me comoveu bastante. Fala de um documentário sobre mulheres de diferentes idades e classes sociais que contraíram Aids de seus maridos. E aí eu percebi uma enorme incoerência minha, e me incomodei muito. Com todos ex-namorados, ficantes, one-night-stand e etc, sempre usei camisinha. Conheci o namorido há dois anos, quando eu e ele já tinhamos “aproveitado bastante a vida”. Quando começamos a sair, usávamos camisinha, mas um dia deixamos de usar. Conversamos sobre o assunto, mas pra ser honesta, não consigo me lembrar de todos os termos. Não fizemos exame antes. Deixo muito claro que também não foi uma imposição machista dele: só deixamos a camisinha porque eu concordei sem nenhuma resistência. Como sou doadora de sangue, ele ainda tinha essa garantia de que, muito provavelmente, eu estava “bem”. Eu, nem isso. Há um acordo de que, se um dia (ou quando, pra ser mais realista) transarmos com outras pessoas ainda estando juntos, vamos ter o cuidado de usá-la.

Mas, putz, e daí, né? Quer dizer, o namorido pode ficar chateado ao ler isso (mas acho que não), mas quem me garantiu que ele não tinha HIV quando a gente se conheceu? A palavra dele, que talvez nem soubesse também? E quem o garantiu que eu não fosse HIV positiva? A última doação de sangue que eu fiz 6 meses antes de conhecê-lo? Não, né. A gente fica romântico, e fica burro. Honestamente, não acho que “isso nunca vai acontecer comigo”. Sei, muito conscientemente, dos riscos que corremos, eu e ele, até porque “mulher contrair HIV do marido” não é uma ficção, há um caso assim no nosso círculo de relações. Porque se comportar assim, então? Não sei responder.

E me sinto ainda pior porque eu não aponto o dedo na cara, mas muitas vezes julgo a falta de cuidado do outro, sabe? Apesar de ser pró-aborto, tendo a, no meu íntimo, acreditar que a pessoa que engravidou sem ter se planejado não fez o suficiente para evitar a gravidez, porque eu sempre usei pílula E camisinha. Não uso agora porque um filho não planejado neste momento seria bem vindo. Mas contrair uma doença venérea não seria bacana em momento algum, óbvio, e isso eu não estou evitando. E este post é um mea culpa: não posso julgar. Nunca, jamais em tempo algum, porque eu também sou humana.

Não sou insensível a ponto de dizer “bem-feito!”. Nem pra quem se descuidou engravidou sem se planejar, nem para a mulher que aceitou voltar para o marido violento e apanhou de novo e, nem pra quem contraiu câncer de pele de tanto torrar no branzeamento artificial. Tenho a delicadeza de me solidarizar com os dramas do outro mesmo sendo decorrentes de atitudes que não combinam com o meu discurso, porque o respeito a alteridade, ao direito do outro de ser outro, é fundamental pra mim. Só demorei a me dar conta de que o outro do meu discurso, às vezes, é a minha ação.

domingo, 15 de novembro de 2009

Contemporaneidades

"Mesmo se desobedece às leis da comunidade, o homem continua a pertencer-lhe; não passa de um menino levado que não ameaça a ordem coletiva. Ao contrário, se a mulher se evade da sociedade, retorna à Natureza e ao demônio, desencadeia no seio da coletividade foças incontroláveis e perniciosas"

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, 1949

Só eu fico assustada quando certos clássicos parecem ter sido publicados tipo assim, essa semana?

sábado, 14 de novembro de 2009

Ode à comida!

Três anos atrás eu pesava 10kg menos que agora. Ao contrário de todas as amigas na mesma situação, voltei da França com 4kg menos do que quando cheguei lá. Engordei quase 2kg no inverno, mas quando começou a esquentar eu fui emagrecendo entre 1kg e 1,5kg por mês. Tomando vinho, comendo chocolate, pão com manteiga (eu poderia passar o resto da vida comendo baguete francesa e manteiga Président). A família pra quem eu trabalhava tinha uma balança no banheiro. Às segundas, dia em que eu limpava a casa, eu ia me pesar. Lembrava do sorvete do final de semana e pensava: "já era, engordei". Mas não, tava sempre um pouquinho menos do que na semana anterior.

Esses bons tempos acabaram. Chegando ao Brasil, ganhei uns 2kg logo na primeira semana: não conseguia parar de comer goiabada com queijo. Deve ter uns bons meses que eu não como goiabada com queijo, mas na época a privação por 1 ano despertou uma compulsão sem precedentes. Ganhei mais alguns quilos depois disso e achei que tinha chegado a um teto. É que eu sempre tive tetos, aquele limite que, mesmo comendo sem critério, dali não passava. E eu nunca na vida fui muito gorda, nem fui magra. Não sou muito alta (tenho 1,67), mas tenho pernas grossas, costar largas, um pulso grosso. Não sou nada mignon, então não dá pra ser magrinha mesmo. Ah! E nunca tive barriga saliente, o que é uma tremenda vantagem estética. Sempre vivi feliz usando manequim 42.

Voltando, de uns tempos pra cá, a coisa desandou e eu comecei a engordar mesmo sem exagerar. Mentira: eu não sou compulsiva, mas sou gulosa. E a balança tem sido implacável. Um dia me pesei e vi que, bastava um final de semana mais glutão, e eu chegaria aos 80kg (antes disso já tinha notado que as calças 44 estão apertaaaaadas). Aí acendou uma luz amarela e eu resolvi marcar uma consulta com uma endocrinologista. Ela me pediu uns exames e chegou à conclusão mais provável: nada de errado comigo, mas o meu metabolismo mudou. Ano que vem faço 30 anos, e as coisas resolveram ser mais lentas. E pior: segundo a médica, minha glicemia está no limite então, se eu não me cuidar, não serei uma gordinha saudável, serei uma gordinha diabética.

Bom, regime então. Fiquei morrendo de medo da médica insistir em remédios, porque eu não quero, acho que meu caso não é sério assim. Pra minha surpresa, ela só rabiscou um cardápio no receituário mesmo. E, bacana, é comida pra caramba! Umas 3 frutas por dia, arroz com feijão, pão integral com queijo de manhã (e nem precisa ser daqueles brancos sem gosto, pode ser o Minas Padrão, mais cremosinho, que eu adoro). O lanche da tarde por de ser uma banana nanica, ou um iogurte, ou uma xícara grandona de capuccino. Não vou passar fome, mesmo sendo comilona. Mas vou passar vontade: sem docinhos, sem petisco de boteco, sem ceveja. Segundo ela, sem academia nem nada, dá pra perder uns 3kg por mês, o que significaria chegar bem mais elegante ao meu aniversário em março. Vale o esforço.

Hoje fui ao mercado e à feira. Comprei muitas frutas e legumes e verduras e queijo e barrinhas de cereal. Passei os últimos dias me despedindo do cardápio trash. Sexta rolou hamburguer e cheesecake, até amanhã rolam as últimas cervejinhas. Vai rolar também uma visita providencial à minha mãe amanhã, pra almoçar. Tenho que confessar que estes 10kg extras ao mesmo tempo que me incomodam, são a recordação de muitos momentos bacanas, sabem? Muito chopp trincando, muita coxinha do Veloso e do Frangó, muita pizza da Brás, muita costelinha do Outback, barras de chocolate importadas e nacionais, muita picanha nos churrasco na casa da sogra, lautos jantares (em geral risotos, adoro risotos) preparados com carinho para os meus amigos, regados à vinho tinto, feijoadas com os amigos do marido em São José. De acordo com a médica, a dieta deve ser seguida de segunda a segunda. Final de semana livre, só quando eu estiver no peso ideal, na fase de manutenção. Então este post é uma homenagem a todas as coisas que eu adoro comer e que não vão fugir: vão só ficar mais distantes de mim por alguns meses. Se eu me comportar diretinho, vou reencontrá-las em breve. A coxinha olhará pra mim e nem me reconhecerá: "nossa, Iara, como você tá elegante!". Ok, viajei agora, desculpaê.

Pra minha sorte, eu sou tão gulosa que gosto das coisas saudáveis e magrinhas também: adoro salada fresquinha, quase todas as frutas, pão integral, salmão grelhado...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A playboy da Fernanda Young

Eu não gosto da Fernanda Young. Assumo mesmo, acho muito chata, do tipo que se acha muito inteligente. Sabe rebelde de botique? Pois é, tenho preguiça de quem diz coisas pra ser polêmico, trabalhando para instituições mainstream. Sabe assim, a pessoa se acha moderna porque tem a "coragem" de raspar a cabeça e usar tatuagens (longo bocejo....)?

Não tenho absolutamente nada contra ela posar pra Playboy. Nem sei se eu tenho algo contra a Playboy em si, eu teria que pensar um pouco - e eu tô compreguiça agora. Porque se eu defendo que a mulher pode dispor de seu corpo como quiser, porque ganhar uma grana com ele seria ilegítimo?

O que me irrita nessa história é sua vontade de parecer "superior" às ex-BBBs porque, afinal, ela é uma pessoa que publicou 8 livros. Pra começar que publicar livro não prova porra nenhuma, que a gente sabe. Essa coisa de se afirmar mais inteligente que suas colegas capa é tão insegura e arrogante! Porque eu tenho que acreditar que ela é mais inteligente que, sei lá, a mulher-melancia? Só porque a mulher-melancia é famosa pela bunda, não quer dizer que ela seja uma estúpida. Só quem conclui isso assim, sem uma análise mais profunda, pode assumir que o fato da Fernanda Young ter publicado 8 livros atesta sua inteligência. Então, ela entrar pro clube, mas afirmar que é melhor do as outras é péssimo (aliás, ela já é do mesmo clube das ex-BBBs: é todo mundo funcionária da Globo). Fica pior ainda porque ela disse que "seria bonito" vender mais do que as ex-BBBs, o que eu li uma vibe de inteligência x reality shows. Como se a suposta inteligência dela devesse ser cultuada até na Playboy.

A cereja do bolo foi quando eu li, acho que ontem, que posar para Playboy uma vingança "a uns 3 babacas que a deixaram". Fico imaginando a cabeça de uma mulher, que se autoproclama inteligente e bem-resolvida, fantasiando que o ex vai olhar a Playboy e dizer: "Como eu sou burro de ter dado um pontapé na chata da Fernanda! Ela é mó gostosa, virou a até coelhinha da Playboy". Só posso ter muita vergonha alheia pela pessoa que expõe seu corpo para obter a aprovação de homens com quem se relacionou no passado. As ex-BBBs são mais espertas: elas, dizem, pra quem quiser ouvir, que vai ser legal ganhar essa grana pra comprar um apartamento. Quem é mais inteligente e independente aí?

domingo, 8 de novembro de 2009

Sobre a Uniban, ainda

Pois é. Fizeram o que pra muita gente pode parecer absurdo, mas que faz todo sentido, como está bem explicado aqui. Sabe aquela piada que a gente faz dizendo que, pra estudar em certos lugares, é só deixar o CPF cair na porta, que já vão te matriculando? É mais fácil mandar uma aluna embora, do que encher o saco dos outros "clientes". Choca especialmente, no anúncio publicado, quando dizem que a reação foi uma "defesa do ambiente escolar".

A namorada do meu irmão, que estuda na UEL, em Londrina, contou que há um colega homossexual que vai travestido assitir às aulas. Quer dizer, não exatamente: ele não usa saias, mas shorts cor-de-rosa minúsculos. Tem cabelos curtos e usa batom. Não tem seios de silicone, mas às vezes está de salto. Nunca está vestido de mulher de uma maneira a ser confundindo e misturar-se entre as alunas, como um transexual. Não, ele deixa claro que é um homem com adereços femininos, provoca a noção de gênero dos colegas mesmo. Ainda segundo minha cunhada o cara, no geral, é respeitado por colegas e professores. Algumas vezes, dentro do campus, pára um carro e diz uma gracinha, em especial os caras de veterinária em sua maioria filhos de fazendeiro mais conservadores. Mas nunca sofreu algo parecido com a Geyse, cuja suposta provocação é seguramente menor.

Quisesse se afirmar como Universidade, a Uniban marcaria pra ontem uma semana de debates sobre tolerância, cidadania, violência de gênero, mídia. Não puniria ninguém, nem os agressores de Geyse: os convidaria a debater sobre suas atitudes, a manifestar sua insatisfação pelo comportamento da colega de maneira racional para que, em grupo, entendessem onde está o incômodo. Dada a repercussão da mídia, tenho certeza de que muita gente notória aceitaria estar presente. Com um gasto mínimo (talvez menos do que custaram os anúncios para comunicar a decisão de expulsar Geyse), inverteria a situação a seu favor.

Mas, da mesma maneira que muita gente só vai à Universidade comprar um diploma pago em prestações, a Uniban deixa claro seu papel de "impressora de diplomas". Não vou julgar ou discriminar que estuda lá, porque já conheci um fulano que se orgulhava por ter concluído o curso de Filosofia da USP sem nunca na vida ter lido um livro até o fim. Acredito que tem gente brilhante e gente rasa em qualquer lugar. O papel da Universidade é estimular a busca do conhecimento, não entregá-lo pronto. Pra mim, a formação acadêmica depende da vontade do aluno, de seu esforço pessoal, mais do que qualquer outra coisa. A Universidade é um facilitador importante, mas não é tudo. Considerando meu ponto de vista, penso em que tipo de contribuição para a construção do conhecimento oferece um lugar onde, frente a um conflito, escolhe-se como solução defesnestrar seu agente mais frágil e mais exposto.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Sou fã da Elisângela

O caso é o seguinte: hospedada na casa dos meus sogros, fomos domingo à padaria comprar pão-presunto-queijo pro café da manhã. Mal-humoradíssima e sonolenta, preferi ficar sentadinha no carro, de olhos fechados. Nem o cinto de segurança eu tirei. Só que marido estacionou ao lado de um orelhão (pausa: há quantos milhões de anos não escrevo a palavra “orelhão”?). E a fila dos frios demorou horrores, tipo uns 10 ou 15 minutos. Daí fiquei quietinha, ouvindo a conversa de um sujeito com a família no nordeste. E é impressionante como, ouvindo só um dos lados do papo, deu pra inferir todo um modo de vida, e todo um conflito familiar. Vai ficar longo, mas juro que é legal:

“- Gilson, quantos sacos de milho... já deu a parte dela? Divide a parte dela! Fala pra sua mãe que não quero mais ela trabalhando no roçado, porque ela já trabalha demais em casa.”

Pelo sotaque, é nordeste, mas não sei exatamente onde. Há uma pequena lavoura na propriedade da família, talvez mais alguém trabalhe lá pra receber sua parte em milho, mas o marido quer poupar a esposa.

“- Deixa eu falar com sua mãe... Oi minha flor! Tudo bom... melhor se eu tivesse com você... mas chega logo, né?”


Deve voltar pra terra no Natal. Como o sotaque é bem suave, não acho improvável que o pai-de-família esteja há muitos anos no sudeste.

O papo volta para o Gilson que, imagino, seja o filho mais velho. Daí a coisa começa a ficar boa:

“- ... num vai, num vai pra forró coisa nenhuma. Que coisa é essa, que história é essa? Num tem que dar a chave pra ela... deixa eu falar com sua mãe de novo! Que história é essa de Elisângela ir pra forró. Num tem que dar a chave pra ela não. Só se for uma precisão. Quem manda sou eu. Na minha ausência, quem manda é você. Eu me enfio em forró aí? E você vai pra forró? Num tem que ir pra forró!”.

Ó, com todo respeito à palavra do moço, mas dado o visual caprichado (manjam meio rústico, meio macho-alfa?), duvido que ele não pegue um forrózinho no final de semana. Fica sem sexo o ano inteiro? Du-vi-do. E possível que vá procurar companhia num rasta-pé. Mas essa não foi uma suposição assim, baseada em coisas muito precisas, só um palpite mesmo. Pode ser desconsiderada sem prejuízo pro resto da história.

Enfim, mais alguns minutos dessa lenga-lenga “num vai pra forró”.

“- Ela tá indo pra 15 anos de idade e nunca me viu em forró. Quando ela casar, tiver a vida dela, ela vai pra forró, se quiser. Enquanto estiver na minha casa, quem manda sou eu. Eu batalho aqui pra fazer as vontades dela, ela tem de tudo, tem que fazer as minha vontades também.”

Como veremos, Elisângela não é de se deixar dominar, apesar da pouquíssima idade.

“- Como é que ela tá com a moto? Tá andando direito com a moto... oi? Certeza? Num quero que ela te derrube... Então, dia 15 ela é que te leva na comadre Nena ou na comadre Maria, porque eu vou falar com ela. Qualquer uma das duas”.

Bom, ouvi a conversa dia 1º. O que me fez concluir que essas conversas telefônica acontecem a cada 15 dias, na casa de uma comadre, porque a família não tem telefone. Gilson coloca a mãe na garupa da moto, geralmente. Mas, se da próxima vez quem vai é Elisângela, o fato dela ser menor de idade e tecnicamente não poder dirigir não é a questão: o problema é o forró mesmo.


“- Outra coisa que eu queria te falar flor. Fala pra Gilson ver que celular pega melhor em casa, se Tim, se Oi, e eu mando dinheiro pra comprar
um celular. Daí não tem que amolar os outros, ficar nessa precisão de ir na casa de comadre.”

Boa! É a modernidade chegando na roça.

“- Como é que é?!?! Elisângela tem celular? Quem foi que deu celular pra Elisângela?!?!”


Muito viva essa garota!

“- Mas desde quando minha moto é táxi?!”

Tive que me segurar muito pra não rir nessa hora e denunciar minha indiscrição. Elisângela, 15 anos, lá na roça, decidiu que a moto do pai é um ativo pra gerar renda. Faz corridas de moto táxi pelas redondezas e tira uma grana. Conseguiu comprar um celular, e garante um troco pro forró (ou pra se enfeitar pro forró, que eu tô ligada que mulher deve entrar de graça). O irmão mais velho e a mãe não têm autoridade o suficiente pra segurá-la em casa, pra desespero do pai machista e conservador que mora há centenas de quilômetros de distância.

Tem como não amar a Elisângela?